Minha maratona no É Tudo Verdade de sábado

Fiz ontem – sábado, 15 – um programa triplo do É Tudo Verdade, no Cine Marquise. Cheguei ao Conjunto nacional às 15h30, saí de lá às 22h30. Sete horas ininterruptas de documentários. Comecei com Cenas dos Rolos de Labudovic, emendei com 1968 – Um Ano na Vida e cheguei a Incompatível Com a Vida. Sabia que o doc de Milla Turajlic era um díptico. Havia um na competição internacional e outro na programação de Clássicos, mas não prestei muita atenção ao subtítulo e achei que ia ver um filme sobre Tito e o movimento de não-alinhados que ele criou na antiga Iugoslávia. Estranhei quando o filme começou a falar mais sobre a insurreição argelina ao domínio colonial francês, mas de qualquer maneira o filme é bom e gostei muito. Somente no final descobri que estivera vendo Cine-Guerrilhas. Somente na quinta, 20, poderei ver, à tarde, no IMS, às 14h30, Não Alinhados.

Fiquei muito animado para ver como os dois filmes dialogam entre si, ou se completam. Já vi que terei de emendar o programa com outro díptico, o das História(s) do Cinema de Jean-Luc Godard, na Cinemateca. Godard faz dedicatórias. (Parei tudo para ver, no Globo Rural, uma família argentina de criadores, ou encantadores?, de cavalos. A história da égua arisca, que foi abusada. O difícil caminho para a sua socialização. Deve estar no GloboPlay. Vale a ver ver.) Na quinta, o Programa 4 das História(s) do Cinema vai apresentar O Controle do Universo, dedicado a Jean Domarchi, e Os Signos Entre Nós, dedicado a Anne-Marie Miéville e a ele próprio. Surpresa maior tive com o doc de Eduardo Escorel, 1968 – Um Ano na Vida. Convidado a apresentar seu filme, Eduardo repetiu o que está no catálogo. Quando o tema lhe foi proposto, sua primeira reação foi de ceticismo – “Mais um filme sobre Maio de 68?”

Vale lembrar que Eduardo Escorel montou No Intenso Agora, de João Moreira Salles. Feito após o magnífico Santiago, sobre o mordomo da família Salles, o doc faz um retrato de família a partir dos filmes domésticos realizados pela mãe de João. Uma viagem à China de Mao, os acontecimentos daquele ano que não termina nunca. No Brasil, na antiga Checoslováquia, em Paris. O célebre Maio. A par de ter sido montador de clássicos do Cinema Novo, Eduardo é referência na realização de docs com material de arquivo. Seus filmes mapeiam a História do Brasil no século passado. 1930 – Tempo de Revolução, 32 – A Guerra Civil, 35 – O Assalto ao Poder, Imagens do Estado Novo – 1937/45. Quando cheguei ao Cine Marquise, brinquei – “Os irmãos Escoreis!” Eduardo e Lauro. Que eu me lembre, Eduardo nunca foi mais intimista em seus docs. (Um dos filmes brasileiros que mais gostaria de rever é Ato de Violência, que ele fez em 1980, sobre o lendário Chico Picadinho, condenado pelo assassinato brutal de duas mulheres.) Eduardo encontrou seu foco para encarar 68 ao descobrir o diário da irmã, Sílvia. Ela lhe escreveu uma carta que terminou sendo o arcabouço – para usar um termo em evidência – dramático do doc. Sílvia também é narradora. Fui apresentado a ela por Carlos Adriano (que na quarta, à tarde, também no Marquise, mostra seu novo doc, Materialismo Histórico da Flecha Contra o Martelo, mas essa é outra história.) Sílvia é uma personagem e tanto. Encarna o sentimento libertário da juventude de 68.

Não apenas gostei do filme – gostei muito, muito. Minha relação com Incompatível Com a Vida foi um pouco mais complicada. Eliza Kapai mereceu toda minha admiração com seu doc sobre o (re)fortalecimento do movimento estudantil por meio da ocupação de escolas em 2015, Espero Tua (Re)Volta. Dessa vez ela encara um tema ainda mais espinhoso, e por um viés pessoal que a transforma em personagem. Mulheres que tiveram gestações complicadas e precisaram interrompê-las. Não discuto a coragem da diretora e de suas personagens, mas não me considero em condições para falar sobre o filme dela agora. Tenho de decantar o que vi. Meu primeiro movimento seria de rejeição, mas aí me pergunto – por quê? Poderia discutir a estética – muitas cenas, senão todas, são obviamente encenadas e poderiam estar, exatamente do mesmo jeito, numa ficção. Teria sido estimulante debater o filme com o público, após a sessão, mas as estreias da Competição Brasileira do É Tudo Verdade não preveem Q&A, o que é uma pena.

Eliza termina seu filme com dados estatísticos sobre o aborto no Brasil e em Portugal. A luta pelo direito ao aborto em casos extremos – estupro, anencefalia – está no centro de Incompatível Com a Vida. É lembrado o caso da garota de quanto? 12 anos?, que foi estuprada e a ex-ministra Damares – essa, se existe Inferno, há de arder nele -, fez de tudo para impedir que abortasse. Mais do que sobre aborto, o filme é sobre o processo de entendimento dessas mulheres, e seus companheiros, de que o sonho de construir famílias saudáveis, com filhos perfeitos, não se realizará. Como as pessoas, os casais, reagem a isso? Como se preparam para a destruição do sonho? Temos, eu pelo menos tenho visto, ultimamente, filmes sobre gravidez. Ficções, documentários. Em geral, a reação das mulheres é mais calorosa, e não que nós, homens, não estejamos engajados no processo. Sinto que só escrever – um pouco – sobre Incompatível Com a Vida já está fazendo com que minha relação com o filme mude.

Não sei o que conseguirei ver, ou mesmo se verei alguma coisa no É Tudo Verdade deste domingo, 16. Minha prioridade hoje é ver na programação especial dedicada ao centenário da Warner, no Petra Belas Artes, às 4 da tarde, o noir Relíquia Macabra/The Maltese Falcon, de John Huston, de 1941, a que nunca assisti no cinema. Bora!

Autor: Luiz Carlos Merten

jornalista

Uma consideração sobre “Minha maratona no É Tudo Verdade de sábado”

  1. O homi tá danado, 7h de cinema, beleza, hein?! Amigo, estou há tempos querendo ver: No Intenso Agora, não acho. ah, peguei no nome desse. Vou procurar na GloboPlay

    Curtir

Deixe um comentário

Crie um site como este com o WordPress.com
Comece agora